Oi, sou a Rayane

Estamos juntas!
29/08/2017
Meninas e mulheres
29/08/2017

Oi, sou a Rayane

POR
Rayane
Representatividade - 29/08/2017
Rayane
  • Representatividade
Rayane
Rayane
http://Baré
Indígena de Baré, no Amapá também sou colaboradora da Rede de Juventude Indígena (REJUIND) e Ponto Focal da América Latina e Caribe no Caucus Global de Juventude Indígena.

Ao receber o convite para ser colunista aqui na plataforma Meninas no Poder, confesso que fiquei muito feliz por fazer parte desse processo, logo eu…

 

Sim, logo eu!
Sou a Rayanne, indígena, sou do povo Baré do Amazonas e, atualmente sou acadêmica de Enfermagem na Universidade de Brasília. Também sou colaboradora da Rede de Juventude Indígena (REJUIND).

A REJUIND e a Universidade de Brasília tiveram papéis importantes na construção da minha luta hoje, quando passei no vestibular tinha 17 anos, muitos sonhos profissinais e a ideia fixa de que não queria saber de política e movimento indígena na minha vida, eu carregava traumas.
Não adiantou, quando menos esperei eu estava lá, no meio da reunião dos Acadêmicos Indígenas da UnB. A partir dessas experiencias dentro da universidade, percebi a necessidade de nós, jovens indígenas, ocuparmos esses espaços. É super importante promover o empoderamento da juventude indígena e promoção da participação política em diferentes níveis de tomada de decisão, o que tem sido feito com diálogo intergeracional. Hoje, fico feliz por estar sendo abraçada pelas Meninas no Poder como uma de suas madrinhas, poder compartilhar a minha história com outras meninas adolescentes e poder ter a certeza de que todas as nossas lutas nunca foram e nem serão em vão.

Já fui a menina que aos 17 anos saiu de casa e resolveu descobrir um mundo fora do Amazonas. Fui morar em Brasília, o que me permitiu abrir muitas portas e, com elas, muitos medos, angústias, sonhos e alegrias.  Estar na universidade foi um dos processos mais dolorosos nos primeiros anos, eu não entendia as palavras preconceito, discriminação e racismo até entrar nesses espaços, onde muitas vezes não me senti parte deles. Quando senti o peso dessas palavras, entendi também que poderia resignificar as coisas, me dediquei a brigar (sim, brigar mesmo) com a universidade, questionar o seu modelo de formação acadêmica, sua forma de acolher o indígena, as mulheres indígenas com seus filhos, questionar sobre o respeito à diversidade e a nós, povos indígenas, além de questionar o processo político-pedagógico.

Dentro da Universidade eu ouvi que “Índio não deveria estar na universidade” e “Universidade é lugar de estudar, não de fazer movimento social”. Muitas vezes me deu vontade de largar tudo e ir embora, voltar para o meu Amazonas e concordar que eu nunca deveria ter saído de lá, mas eu nunca desisti das coisas facilmente.

Ao longo do processo encontrei pessoas que me deram as mãos, abraços, enxugaram muitas lágrimas e reafirmaram que eu não poderia desistir. Aprendi a usar o espaço da Universidade, aprendi a escrever, a falar, eu não queria mais ser o objeto de estudo, eu queria ser a pesquisadora, queria ser a sujeita desse processo, me fortalecer com os meus pares e lutar sempre contra todas as violências, fazer com que eu pudesse ter a garantia do meu direito, meu direito de ser indígena, de afirmar minha identidade e de fazer incidência política sim, porquê não? Aos poucos fui conquistando espaços, fiz viagens internacionais, participei de congressos onde submeti trabalhos que foram, consequentemente, aprovados!

Conheci Cuba, México, Argentina. Mas a REJUIND acreditava que eu poderia fazer mais fora do meu espaço da academia e precisava monstrar tudo que já havíamos construído dentro daquele espaço. Fui uma das pessoas que criou o Ambulatório de Saúde Indígena no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e tenho como uma das minhas maiores conquistas, a implementação de um serviço baseado em linhas de cuidado que respeitem a cultura, a identidade, o processo saúde-doença dentro de um centro urbano, fugindo da lógica hospitalocêntrica e respeitando o indígena na sua integralidade, meu orgulho!

A partir de então, passei a ser colaboradora da rede nas temáticas de saúde, menina jovem falando de saúde e construindo políticas públicas?  SIM, e vamos fazer mais!
Comecei a representar as jovens indígenas nos espaços de discussão sobre saúde sexual e direitos reprodutivos, participei de reuniões fora do País com o Enlace Continental de Mulheres Indígenas, com outras jovens da América Latina.
E se me perguntarem se eu falo inglês ou espanhol?
Ah, meninas, nunca deixem que isso seja um fator limitante, não falo nenhuma das duas, mas não desacreditei que a nossa voz seria ouvida.

Viajei sozinha para reuniões em espanhol e ainda fiz incidência. A partir de todas as minhas ações políticas realizadas a nível local, nacional e internacional, fui convidada para ir a Nova Iorque este ano, durante a sessão do Comission on the Status of Woman (CSW) como parte da delegação brasileira, através do Projeto Voz das Mulheres Indígenas em parceria com a ONU Mulheres Brasil. Era a única mulher jovem da delegação. Fui novamente à ONU em Nova Iorque para participar do Fórum Permanente para as questões indígenas. Em parceria com outras agências e a Rede Latino-americana de Jovens Indígenas, conseguimos realizar um painel e eventos paralelos sobre juventude e ,novamente, fui a única representante jovem do Brasil. Levamos à construção do Plano Regional de Saúde dos Jovens Indígenas, plano elaborado durante uma reunião preparatória para o Forum Permanente, que aconteceu no Brasil.

Durante o Fórum, fui escolhida para ser representante da América Latina e Caribe, no Caucus Global de Juventude Indígena, que tem como papel articular ações com os jovens da região da América Latina, fortalecendo a incidência política e social desses jovens.

Hoje, aos 25 anos, percebo o quanto vivi e sobrevivi diante de tantas lutas travadas, em diversos sentidos, por ser menina, jovem, ter inúmeros desafios pela frente e acreditar que podemos ter um mundo com meninas que entendam que suas forças são maiores do que elas imaginam. Todas têm a capacidade de transformação, de fazer incidência em quaisquer esferas e momentos.

Ser menina, jovem, mulher indígena é estar constantemente buscando novas formas de fazer incidência e mostrar nossa voz, através de ações dentro dos nossos territórios, comunidades e universidades, ou seja, fortalecendo as nossas capacidades onde quer que estejamos.

O Brasil é um país com inúmeras desigualdades, frente a região da América Latina percebo que ainda temos muito trabalho a fazer. Iniciativas como as da Plan, me fazem ter a certeza que podemos atingir o ODS 5. Acredito que sonhos são para ser sonhados e vividos. Vai ter menina preta, branca e indígena empoderada sim, cada uma na sua especificidade, no fortalecimento de sua capacidade. Estamos juntas na construção por dias melhores, porque juntas não temos nada a TEMER!

 

Rayane
Rayane
Indígena de Baré, no Amapá também sou colaboradora da Rede de Juventude Indígena (REJUIND) e Ponto Focal da América Latina e Caribe no Caucus Global de Juventude Indígena.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *